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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Bom, mas não extraordinário


Além de classificados em diversos gêneros e seus sub-gêneros, os filmes costumam também receber informalmente vários rótulos como, por exemplo, "isca do Oscar", "crowdpleaser" (algo como "agrada todos") e "tearjerker" ("arrancador" ou "derramador" "de lágrimas"). Pro bem ou pro mal, muitas vezes o chavão não traduz uma realidade, seja na intenção dos realizadores, seja nos resultados. O recente The Post: A Guerra Secreta que o diga. Tido como uma "isca do Oscar", não foi produzido com esta motivação em mente e, concretamente, acabou recebendo apenas duas indicações.

Extraordinário é um longa facilmente classificável nas três "categorias" exemplificadas.

Embora seja impossível afirmar que algo está sendo produzido para tentar conquistar a Academia, vários dos mesmos ingredientes que levam filmes como The Post a virarem uma "isca do Oscar" se aplicam aqui: um elenco de peso (os queridinhos e anteriormente vencedora e indicado ao Oscar, Julia Roberts e Owen Wilson, além do talentoso e carismático ator mirim, Jacob Tremblay), um tema comovente, o cuidado com a qualidade técnica, a carona em uma obra literária de sucesso, a época de lançamento, o foco do trabalho de divulgação... Enquanto o resultado foi somente a indicação incontestável a Melhor Maquiagem, para as outras duas "categorias" é inegável: o filme realmente agrada e arranca lágrimas. O problema é que as intenções deveriam ser mais ocultas, ou inexistentes, sendo estes efeitos apenas consequências naturais de uma bela história sendo bem contada.


O filme agrada. E faz questão disto. Ao tratar alguns temas pesados, as escolhas são sempre leves e as saídas de conflitos são muito simples. A condição do protagonista Auggie sequer é intitulada e em uma rápida citação é revelado tudo pelo qual o menino passou. Falta uma profundidade não somente nas consequências médicas, mas também nas psicológicas e sociais. Não há o peso de o que é ser tão diferente como ele, nem de quanto sofrimento o levou até ali. A própria questão do bullying na escola é tratada como nos casos corriqueiros (mas não menos importantes), em que crianças e adolescentes acabam sendo más, mesmo sem motivos chamativos.  Poderia-se alegar que a superficialidade advém da escolha por uma narrativa sob a ótica do garoto. Mas, é daí mesmo que surge a maior oportunidade perdida da produção, que decide dividir a história em capítulos, teoricamente com o ponto de vista de outros personagens. Neste momento poderiam entrar outras perspectivas, outras implicações sobre a complexa convivência com esta situação. Mas, o modo Pollyanna continua ligado e, infelizmente, o Rashomon é descartado.

O filme arranca lágrimas. E, sem precisar, faz esforço para isto. É difícil não enxergar que o diretor Stephen Chbosky constantemente manipula as emoções do público, determinando o tempo todo o que o espectador deve sentir, como deve reagir. O próprio tema já é terreno fértil para mexer com as pessoas, mas falta sutileza e, algumas vezes, surge artificialidade.

Para não terminar de forma pessimista, muito longe do tom do filme, vale ressaltar que, com ótimas atuações, uma bela mensagem sobre gentileza e divertidas referências a Star Wars, Extraordinário é um filme tranquilamente recomendável. Com tanta obra cínica no mercado, é mais do que saudável  (é necessário) se deixar cair nas graças de um "feel good movie" (ops, mais um rótulo).


Extraordinário (Wonder), 2017




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