Pesquisar neste blog:

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A chegada e a partida


A chegada minha no cinema estava carregada de expectativa para ver uma boa ficção científica. Estava convicto de que veria uma trama inteligente, efeitos de primeira e boas atuações.

Mas, eu não estava preparado para a jornada emocional que A Chegada iria proporcionar.

O novo filme do canadense Denis Villeneuve é uma história de invasão alienígena, sem a invasão. É uma explosão de efeitos especiais, sem explosões. É um primor técnico, sem perder a qualidade nata de arte. É um drama, sem ser melodramático. É uma verdadeira aula sobre paciência, empatia e cooperação, sem ser didático. É um grande cérebro, com um enorme coração. É a magia do cinema na sua melhor essência: a que mexe com a percepção de vida do espectador.


É, sem dúvida, um dos melhores filmes do gênero desde que cheguei ao mundo. (Literalmente. Sou do ano de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, que é um parâmetro e tanto.) E, sem dúvida também, é o melhor filme do ano até agora. A direção é genial, o roteiro é impecável, a fotografia é encantadora, a edição é precisa, as atuações (sobretudo de Amy Adams) são formidáveis e a trilha sonora, que muitas vezes se mescla organicamente com os efeitos sonoros, é inigualável.

Há muito o que ser dito sobre A Chegada. Mas, tomando por base a hipótese de Sapir-Whorf, de que o conhecimento do vocabulário de uma língua molda os pensamentos e a percepção do mundo dos indivíduos, abandono meu limitado esforço de tentar expressar em palavras escritas o que deve, o que tem que ser vivenciado no áudio-visual.

Resta dizer que minha partida do cinema foi acompanhada de um desejo único: abraçar cada um dos meus filhos, o de cinco anos e o que ainda nem nasceu. Fortemente.

E longamente. Transcendendo o tempo.


A Chegada (Arrival), 2016

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Onde está?


Daqueles que dá vontade de ter na pendurado em casa...

Uma dupla de artistas gráficos condensou em um poster suas referências favoritas à ficção-científica no cinema e na TV:




Interessante como que de Barbarella, passando por Ripley e Xena, até Ava, Furiosa e Eleven, as mulheres ganharam bastante espaço na arte.

Para ver maiores detalhes (zoom), visite a galeria virtual Hero Complex Galaxy.


domingo, 20 de novembro de 2016

Olhe para a escuridão, e ela olha de volta


Black Mirror é uma série original do Channel Four da Inglaterra que, após duas temporadas de três episódios cada (em 2011 e 2013) e um episódio especial em 2014, migrou para a Netflix, ganhando mais duas temporadas de seis episódios. Lançada em Outubro de 2016, a terceira temporada traz colaborações americanas na frente e por trás das câmeras e conta com um orçamento visivelmente maior que as predecessoras. Mas, as diferenças param por aí. O britânico Charlie Brooker continua como comandante (e escritor) principal e todos os episódios continuam sendo parábolas inquietantes e fascinantes ambientadas em um futuro distópico (perigosamente) não muito distante.  Como o título sugere, a série provê um reflexo sombrio (e até trincado) da sociedade atual e da tecnologia - e para onde elas podem caminhar se desviarem um pouco de seus rumos (ou, às vezes, se não se desviarem).


Muito pelo seu formato, já que cada episódio é uma história independente com equipes e atores distintos, Black Mirror vem sendo comparada a Além da Imaginação. Mas, enquanto a clássica série de Rod Serling trazia contos moralísticos carregados no sobrenatural ou na ficção científica, por vezes com finais felizes ou otimistas, Charlie Brooker opta por um caminho mais satírico, ao mesmo tempo plausível e alarmista, raramente se desviando do ambíguo e do obscuro.

Todos episódios são, na verdade, instigantes média-metragens que mereciam análises e avaliações individuais. Superiores à maioria do que se vê por aí, vale ao menos uma classificação (subjetiva) do melhor para o... menos bom:

01. Toda a Sua História - The Entire History of You (T01, E03), 2011
02. Natal - White Christmas (Especial - T02, E04), 2014
03. San Junipero - San Junipero (T03, E04), 2016
04. Queda Livre - Nosedive (T03, E01), 2016
05. Engenharia Reversa - Men Against Fire (T03, E05), 2016
06. Odiados pela Nação - Hated in the Nation (T03, E06), 2016
07. Versão de Testes - Playtest (T03, E02), 2016
08. Manda Quem Pode - Shut Up and Dance (T03, E03), 2016
09. Urso Branco - White Bear (T02, E02), 2013
10. Hino Nacional - The National Anthem (T01, E01), 2011
11. Volto Já - Be Right Back (T02, E01), 2013
12. Momento Waldo - The Waldo Moment (T02, E03), 2013
13. Quinze Milhões de Méritos - Fifteen Million Merits (T01, E02), 2011

Aguardando ansiosamente pela quarta temporada para ser surpreendido mais algumas vezes pela mente soturna de Charlie Brooker.

E para rever este ranking.


Black Mirror (1a., 2a. e 3a. Temporadas), 2011 - 2016




terça-feira, 15 de novembro de 2016

Colorido é o novo azul


Trolls é a mais recente aposta da DreamWorks para iniciar uma nova franquia em animação. Sem muito material prévio para se basear, já que o filme é inspirado simplesmente em uma linha de brinquedos criada em 1959 (e que se tornou um fenômeno de vendas nos EUA), o trabalho do diretor Mike Mitchell e dos roteiristas envolvidos precisaria de bastante inspiração para conquistar o público.

O resultado é uma batida história de resgaste envolvendo uma espécie de Smurfs coloridos: seres pequeninos que vivem numa aldeia escondida na floresta, cada qual com uma característica peculiar, liderados por uma variação de Papai Smurf e sendo perseguidos por uma criatura que faz a vez de Gargamel, só querendo saber de levá-los para a panela.


Existem alguns aprimoramentos na trama, claro, para que tudo leve à mensagem final. Indo na contramão do excelente Divertida Mente, a moral da história de Trolls é genérico um "o importante é ser feliz, e só depende de você para aflorar a felicidade interior". Parece que a DreamWorks está tentando ser o que a Disney era décadas atrás.

Mas, na verdade, a DreamWorks não está conseguindo nem ser o que a própria DreamWorks era 18 anos atrás. Em seu primeiro musical desde O Príncipe do Egito, fica exposta sua preguiça ao preferir preencher os números musicais com canções conhecidas, em vez de apostar mais uma vez em composições originais. Pode ser preguiça ou medo de que o público não tenha capacidade de assimilar novas canções. Pode ser preguiça ou falta de talento. Em qualquer caso, parece que o Frozen da Disney não serviu de exemplo. Quem sabe daqui a mais umas décadas?

E as canções são mesmo o carro-chefe da produção, fazendo com que os adultos tenham alguns momentos saudosistas e se divirtam nos intervalos em que as crianças estão rindo de bichinhos que soltam glitter e cupcakes do traseiro. O que não dá para aceitar é as canções também serem dubladas na versão em português, já que é muito difícil entender a cantoria traduzida e, portanto, os menores perdem a conexão entre as imagens e a letra de qualquer forma. Mais estranho ainda fica quando The Sound of Silence surge cantada no som original e a canção final, do astro Justin Timberlake, também fica sem tradução. Mas, no fim das contas pouco importa, pois todas as versões são produzidas pelo próprio Timberlake e sua sensibilidade pop dançante acaba tirando o charme de praticamente todas as músicas.

Can't stop the feeling que talvez a DreamWorks Animation nunca tenha o mesmo vigor que havia no início de sua empreitada, no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Mas, fica a torcida: There can be miracles, when you believe.


Trolls (Trolls). 2016




domingo, 13 de novembro de 2016

Capitão Estranho


É comum o sentimento de culpa perante os efeitos colaterais dos progressos da humanidade e é difícil não associá-los à degradação ambiental e à ganância capitalista. Assim, é comum também imaginar que a vida ideal é afastada dos grandes centros, imersa na natureza, fora do contexto da sociedade consumista atual. Capitão Fantástico, filme vencedor de vários festivais - inclusive de direção na mostra paralela de Cannes Un Certain Regard, é mais um a explorar temas semelhantes. A história é centrada em um pai que cria seus seis filhos em uma remota floresta norte americana, sob intensos treinamentos físicos e rigorosos métodos de desenvolvimento intelectual.

Por vezes até lembra Na Natureza Selvagem, mas com um elemento agravante. Enquanto o filme de Sean Penn trazia um jovem capaz (mesmo que ainda imaturo) tomando decisões que afetavam praticamente apenas a sua existência, aqui há um adulto consciente e experiente, tomando decisões por crianças ainda em formação. Claro que não deixa de ser um comentário sobre as dificuldades e responsabilidades de ser pai, mas sua mensagem é preocupante, assim como também é preocupante a aprovação dessa mensagem através da aclamação ao filme por parte da crítica.

O principal problema é que o diretor/ roteirista Matt Ross, tão focado em defender seu ponto de vista, não consegue perceber que criou um personagem hipócrita e detestável (tolerável somente pela impecável atuação de Viggo Mortensen). Ben é um cara que tem aversão a religião, mas cria seus filhos como em uma espécie de seita particular. Recitando palavras do próprio pai, sendo doutrinados nos ideais dele (mesmo que indiretamente, através do acesso restrito a livros selecionados por ele), eles não são em nada diferentes daquela "pastorazinha" que chocou o Brasil no YouTube uns tempos atrás: uma menina que pregava fervorosa e cegamente para fiéis evangélicos e que acabou gerando vasta crítica com alegações de "lavagem cerebral por parte da Igreja". Então doutrinação anti-sistema e anti-religião é totalmente aceitável e até louvável, mas o oposto é execrável?

Matt Ross tenta esconder sua agenda, criando algumas cenas realmente tocantes e mascarando certas passagens com humor, por vezes válido, por vezes de gosto duvidoso. Mas, há claramente uma ênfase nos méritos alcançados pelo pai, afinal as crianças são mais fortes que as de mesma idade, falam seis línguas fluentemente e estão aptas a entrar em qualquer universidade dentre as principais dos Estados Unidos. Enquanto isso, presentear os filhos com armas, ensinar sobre tolerância com exceções bem específicas e arquitetar delitos com eles surgem como alívio cômico, sem o devido peso que existe por trás disso tudo.


E à medida que seu roteiro caminha, as coisas ficam cada vez mais inverossímeis. A jornada da família ao "mundo real" deveria expor as armadilhas da convivência fora da sociedade, e evidenciar suas características de 'bicho-do-mato'. Porém, estranhamente, as crianças conseguem simular uma situação inusitada e socialmente complexa em um supermercado e também se mostram hábeis no improviso, ao serem confrontadas por um policial em um contexto que certamente seria muito mal interpretado pelas autoridades no mundo atual. Também é perturbador quando Ben responde abertamente aos questionamentos da pequena filha sobre sexo, uma cena construída de forma a enaltecer sua característica de não esconder nada dos filhos e de não mentir para eles. Mas, afinal, vivendo isoladamente apenas em família, o que aqueles ensinamentos podem trazer de benefício para a filha? O que será do futuro daquela minúscula "comunidade"? Como ela irá se desenvolver e prosperar? Chega a ser assustador conjecturar o que pode advir daquilo ali.

Talvez Matt Ross nem tenha pensado nas implicações do que está defendendo. Ironicamente, Ben incita seus filhos a questionarem tudo, mas cria um ambiente em que é impossível que eles o questionem, por mais que deixe parecer que a oportunidade existe. Eles não têm outras fontes e outras experiências para tal. Mas, Ben é retratado como a voz da razão e o silêncio dos filhos como uma vitória sua. Assim também é na discussão sobre educação formal que Ben tem com sua irmã. A cena em que ele expõe a falta de conhecimento dos sobrinhos, colegiais, e que em seguida são humilhados por sua filha de 8 anos por saber recitar (como um robô) e formular uma opinião "própria" sobre a Declaração dos Direitos norte-americana, culmina com sua irmã admitindo uma derrota e com uma comemoração entre pai e filha. Ben acaba de ser deplorável com uma família, que os recebeu em casa de braços abertos, mas é condecorado por Matt Ross com uma medalha de excelência.

Aliás, o "outro lado" tem pouca chance no filme: a única alternativa à filosofia de Ben é esta família da irmã, estereotipada e mediana, que inclui um marido boboca e dois filhos que só pensam em videogame. Quando surge o avô, o sogro de Ben, há a esperança de alguém para injetar racionalidade no protagonista e na situação como um todo. Mas, ele é transformado em um vilão, prometendo chamar a polícia e tomar as crianças de Ben na justiça com provas talvez irrefutáveis aos olhares externos, mas sabidamente falsas e duvidosas.

O filme se esforça para retratar as ações de Ben como fruto do amor por seus filhos, como sendo um pai perfeito ao seu próprio modo. Porém, comete falhas muito básicas para estabelecer isto. A própria ida à civilização não acontece para satisfazer o pedido das crianças, mas somente quando Ben, o anti-religião, decide que tem que honrar a qualquer custo o desejo da esposa - desejo este baseado num preceito meramente religioso e espiritual. É uma motivação tão egoísta quanto contraditória. Ao longo de toda projeção, o público é manipulado para torcer por Ben e por um final feliz em família. Mas, com um pouco de discernimento, não há como não ansiar pela libertação daquelas crianças. O desfecho é um sofrível prêmio à persona de Ben, onde fica estabelecido que bastava apenas que ele mudasse algumas coisinhas para que tudo ficasse perfeito.

E os críticos ainda estão rotulando o resultado de "amável", "belo", "tocante" e "engraçado"... Só na superfície. E, ainda assim, talvez.


Capitão Fantástico (Captain Fantastic), 2016

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Doutor Fantástico


A essa altura não resta dúvida de que a Marvel está mais bem sucedida nas adaptações para o cinema de seus quadrinhos do que a rival DC Comics. Com o lançamento de Doutor Estranho, o chamado Marvel Cinematic Universe já se encontra em seu 14º filme, ou no "Capítulo 2 da Fase 3" (??).  É natural que parte do público comece a ter preguiça de acompanhar tanta história correlata e que o material passe a demonstrar sinais de desgastes ou de estar à deriva, sem um destino palpável. Problemas que fazem muita gente abandonar a leitura de quadrinhos fatalmente estão migrando para a sétima arte. Muito por isso, particularmente acabei 'perdendo' vários filmes mais recentes do MCU. Mas, mesmo assim, talvez por aparentar ser uma história autônoma (um "filme de origem" sem a participação de outros heróis já estabelecidos - como, por exemplo, foi Guardiões da Galáxia), animei de conferir este Doutor Estranho no cinema. Em 3D.

E afirmo que não há melhor forma de assisti-lo.


Assistir em DVD (ou coisas piores que existem por aí) significa concentrar em (e se contentar com) o que a produção oferece principalmente em termos de história. O que não é lá muita coisa. Tudo é muito básico: uma típica jornada do herói mesclada com a tradicional fórmula da Marvel, com direito a um protagonista que parece um Tony Stark mais ácido, um mestre ancião enigmático e um vilão com um plano genérico e que é um ex-aluno do tal mestre. Aliás, este é um ponto em que a DC sempre foi superior na telona: o Kaecilius apresentado aqui por Mads Mikkelsen é mais uma adição para o rol de vilões unidimensionais e nada memoráveis da Marvel. Time Lóki continua aguardando alguém para formar ao menos uma dupla. O característico humor do MCU também está presente no roteiro e agrada, mas não é a salvação. Atores renomados como Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton e Chiwetel Ejiofor se desdobram, fazendo um ótimo trabalho com o que lhes é entregue. Quem não consegue mesmo decolar é Rachel McAdams, que tem em mãos uma personagem feminina secundária e subaproveitada, também característica do MCU.

Ver Doutor Estranho no cinema tem um bônus inicial, que é o som. Mesmo que ainda não tenha conseguido criar temas musicais reconhecíveis para seus heróis (como fizeram para a DC, John Williams com Superman e Danny Elfman / Hans Zimmer em dois momentos diferentes de Batman), a Marvel finalmente parece ter acertado com a escolha de Michael Giacchino, que cria a trilha sonora mais interessante do MCU até o momento. Ele deve (e deveria mesmo) se tornar o novo (e merecido) parceiro do estúdio, tanto que já foi contratado para o novo reboot do Homem-Aranha.

Mas o grande astro da produção é sua concepção visual. O diretor Scott Derrickson faz uso de efeitos de ponta de uma maneira genialmente inventiva. As fantásticas sequências de ação, que em sua maioria começam lembrando A Origem, logo remetem a M.C. Escher e se tornam eventos quase psicodélicos (mas nunca confusos ou nauseantes), vão se acumulando ao longo da projeção sem ficarem repetitivas. Quando o filme chega em seu terceiro ato, a sensação é de que não há mais nada de novo a ser acrescentado, porém o espectador é agraciado com uma nova variável para entrar no jogo visual e deixar ainda mais interessante o clímax (dividido em duas etapas igualmente criativas e inovadoras).

Exatamente como Avatar, A Invenção de Hugo Cabret, As Aventuras de Pi e Gravidade, Doutor Estranho pode ou não cair no gosto de quem o assiste, mas não se deve deixar passar a oportunidade de experienciar seus momentos mágicos em um bom cinema 3D.


Doutor Estranho (Doctor Strange), 2016



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Filhos e suas prioridades...



Não tão sofrida como essa de três anos atrás, mas...


- Sabe, não tenho visto seus coleguinhas Luca e Ana na hora de ir te buscar... Eles saíram da escola?

- Não. É que hoje eles foram embora mais cedo.

- É?

- É. O pai deles passou lá antes do cineminha.
  (cinema? alguém disse cinema???)

- Ah, é? Eles foram pro cinema com o pai?
  (qual fime? qual filme??? Trolls? Cegonhas?? Doutor Estranho???)

- Não. Eles foram embora antes do cinema na escola.

- Cinema na escola! E foi o quê?

- Foi... bom.

- OK, mas teve o quê, no cinema da escola?

- Jujuba!




sábado, 5 de novembro de 2016

Não discuta o passado e seja feliz em Wayward Pines


Lançada em 2015, Wayward Pines foi divulgada como sendo um evento de apenas dez episódios e, mesmo tendo um desfecho contido para uma temporada única, o gancho típico de final de filme de terror, que nos minutos derradeiros deixa espaço aberto para mais história, acabou prevalecendo e a Fox trouxe a população da misteriosa cidade para uma segunda temporada.

Sem o peso do elenco da primeira temporada, que tinha nomes como Matt Dillon, Terrence Howard, Melissa Leo, Carla Gugino e Toby Jones, e com possibilidades limitadas de apresentar mais uma reviravolta surpreendente, esta continuação mostrava-se pouco promissora e parecia fadada ao fracasso. Porém, os criadores da série, o produtor M. Night Shyamalan e o escritor Blake Crouch (do qual o livro homônimo foi usado como base para a primeira temporada), conseguiram superar os obstáculos e foram bem sucedidos na empreitada.


Através de flashbacks ou de participações específicas, alguns personagens principais e secundários da primeira temporada reaparecem nesta segunda. Se nunca desaparece por completo a sensação inicial de que não foi possível fechar com aqueles atores concorridos e que seus personagens estão surgindo só para dar algum tipo de satisfação para o público (e para logo em seguida serem descartados), no fim resta uma impressão de que estas manobras foram na sua maioria lógicas ou até mesmo orgânicas no âmbito do enredo. E durante a jornada é sempre bom ver aqueles rostos conhecidos em meio a tantos novos.

Não que estes sejam ruins. Claro que Jason Patric substituindo Matt Dillon é um choque inicial negativo, mas sua atuação reservada, quase no automático, acaba sendo compensada na reta final, quando o herói ganha novas nuances tomando (e sugerindo) ações bem atípicas de um médico bom moço guiado pela ética profissional. Djimon Houson também inicia meio apagado, mas aos poucos vai mostrando seu talento e ganhando espaço a ponto de ser o protagonista de um dos melhores episódios de toda a série. Fica até um pesar de seu personagem não ter sido explorado na primeira temporada (pois ele existia então e era peça fundamental na dinâmica toda).

A dupla Jason Higgins (Tom Stevens) e Kerry Campbell (Kacey Rohl) também começa com o pé esquerdo, como apenas duas pessoas irritantes, difíceis de se aturar (e de assistir). Mas é deles um dos melhores e mais surpreendentes (para não dizer chocantes) arcos da temporada, que traz peso ao desenvolvimento construído até ali. Aliás, este é um dos pontos em que a segunda temporada se mostra superior à primeira. Antes havia uma incômoda correria para manter a história em movimento, para condensar três livros no formato. Agora gasta-se o devido tempo para armar a trama e, principalmente, desenvolver os personagens. Isso fica evidente nas reviravoltas, que passaram a ser centradas neles e não na mitologia da série.

Iguais às suas "aberrações", Wayward Pines demonstra que o próximo passo, a evolução, pode parecer como algo pior, mas no fim das contas não é. E, mesmo com mais uma temporada com desfecho contido (e com gancho para mais história), se a Fox topar dar a Shyamalan e Crouch uma terceira temporada, desta vez a expectativa certamente será positiva.


Wayward Pines (2a. Temporada), 2016