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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

40 dias de solidão?


Por inúmeros motivos, a Bíblia é objeto de fascínio nos quatro cantos do mundo e, com mais de 5 bilhões de cópias vendidas e distribuídas, é fonte de inspiração para diversas obras, em todos os tipos de arte. Vários de seus trechos não são detalhados e apresentam hiatos nas narrativas criando terreno fértil para a imaginação das pessoas. Assim também são as passagens do Novo Testamento que relatam o período de quarenta dias em que Jesus passou jejuando no deserto.

Últimos Dias no Deserto vem com a proposta de explorar o que teria se passado nos, como o próprio nome diz, últimos destes quarenta dias. A estrutura é adequadamente simples e, como em O Evangelho Segundo Jesus Cristo, a história traz um Jesus mais humano e enraizado no mundo real. Mas, mesmo inserindo ambiguidade em algumas ações de Jesus (deixando os adeptos do "O Que Jesus Faria?" intrigados em certos momentos), não desanda para o herético, ao contrário do livro do Saramago.


Iniciando a trama só, logo o diabo é apresentado para tentá-lo, ainda que não exatamente como nos Evangelhos. Todavia, a maior parte do filme é dedicada às suas interações com uma problemática família que vive isolada da sociedade. O centro é a dificuldade de comunicação, de intenções e de projeto de vida entre o pai e o filho, uma clara metáfora à busca de Jesus no deserto: o autoconhecimento e a seu pai, Deus propriamente dito. Um tema provavelmente de fácil identificação para o diretor colombiano Rodrigo García, filho do aclamado escritor Gabriel García Márquez.

Com um elenco reduzido e um ritmo adequadamente lento, Últimos Dias no Deserto poderia muito bem ter sido uma peça teatral. Mas, aí estariam sendo descartadas as duas melhores coisas desta produção: as sutilezas da atuação de Ewan McGregor (que convenientemente interpreta Jesus e o Diabo) e a magnífica fotografia de Emmanuel Lubezki (que faz com que a vastidão do deserto encha os olhos e transpire espiritualidade).

Tanto o simbolismo estabelecido quanto as possibilidades criativas com um trecho tão pouco explorado da Bíblia tinham potencial para originar uma experiência realmente marcante. Mas, por um lado ou por outro, parece que faltou um pouco de coragem aos realizadores e o longa ficou carente de profundidade. Ajudaria também tê-lo terminado antes, no momento em que Jesus contempla - e entende - seu destino. Mostrá-lo nada acrescentou. Só alguns minutos à projeção.


Últimos Dias no Deserto (Last Days in the Desert), 2016




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