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quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Nostalmagia


Em determinado momento de Stranger Things, quando os mistérios começam a ser desvendados, um personagem só consegue achar uma forma de tentar explicar os estranhos acontecimentos: "Você já leu algum livro do Stephen King?"

É com este nível de consciência e de autoconhecimento que se desenvolve a série lançada pela Netflix em julho: uma grande homenagem ao início da década de 1980 - não somente ao mundo literário de King, mas também aos filmes dirigidos e produzidos por Steven Spielberg, com grandes pitadas de John Carpenter e Wes Craven. Sem parecer cópia ou paródia de suas fontes inspiradoras, Stranger Things consegue criar identidade própria e não fica só na sensação de ser uma grande homenagem. É como sentar com amigos de longa data para ver fotos antigas e relembrar casos marcantes, mas ao mesmo tempo fazer novos amigos e viver experiências inéditas.

O enredo gira em torno do desaparecimento de um garoto na pequena comunidade americana de Hawkins e passa a acompanhar as investigações de três grupos principais de personagens, de forma igualmente interessante: os garotos amigos do desaperecido; os adolescentes, essencialmente irmão e irmã mais velhos destes garotos; e os adultos, sobretudo a mãe em busca do filho e o chefe da polícia local. Mas, claro, os mistérios têm proporções maiores do que todos podem imaginar.


Dos créditos iniciais, passando pela trilha sonora (tanto a instrumental original quanto as canções selecionadas) até a decoração dos ambientes e figurino, tudo remete meticulosamente à época, e aos filmes da época, em que a história se passa. Aliás, se tem uma falha na concepção da série é sua fotografia: perfeita e precisa é o único elemento que tira do espectador a sensação de ser uma produção realizada nos meados de 1983. E o criativo e bem amarrado roteiro, dos até então praticamente desconhecidos irmãos Duffer, ganha vida através da direção inspirada e segura deles próprios (na grande maioria dos episódios).

E se o mundo descobriu os irmãos Duffer, eles descobriram talentosos atores mirins que dão vida ao grupo de amigos no melhor estilo Goonies. Com ótima química e um charme peculiar e genuíno eles não parecem crianças recitando falas decoradas, mas sim amigos de verdade vivendo suas aventuras. Na trama paralela dos adolescentes, "presos" num A Hora do Pesadelo ou num Halloween, a escolha do elenco é também acertadíssima, com destaque para o excelente trabalho de Charlie Heaton, que interpreta o irmão mais velho do desaparecido Will Byers. E o elenco adulto também se destaca positivamente, mesmo que em alguns momentos Winona Ryder pareça exagerar um pouco na composição de sua personagem.

O fato de se desenrolar em oito episódios é crucial para que estes adoráveis personagens sejam desenvolvidos devidamente e cativem a simpatia do público. Vale notar como que em 2011, com Super 8, J.J. Abrams se esforçou para entregar algo muito semelhante, mas talvez não tenha alcançado tamanha relevância cultural justamente por estar restrito a um formato de menos de duas horas.

Divertido, tenso, intrigante, nostálgico, Stranger Things é apaixonante. E como toda paixão, toma as pessoas de forma arrebatadora e as cegam, ofuscando inevitáveis defeitos. Mas é uma experiência incrível e única enquanto dura. E deixa um gosto de quero mais. Que venham (logo) as próximas férias com essa turminha da pesada .


Stranger Things (1a. temporada), 2016




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