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sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Life of i


*Atenção: este texto contém SPOILERS sobre As Aventuras de Pi. Não leia antes de ver o filme.*

A beleza de As Aventuras de Pi está não somente no seu visual deslumbrante, com fotografia e efeitos visuais impecáveis, mas também na forma com que a ambiguidade do desfecho faz com o que o espectador reflita não sobre o filme, e sim sobre si próprio. O que se tira do filme é baseado no que se é.

Há quem argumente a inexistência da ambiguidade: a narração da segunda versão da história, a mais realista, é tão sentimental e objetiva (e a nossa racionalidade é tão grande) que a reação normal é ceder e simplesmente acreditar nela. Mas, Pi, para satisfazer os funcionários da seguradora, diz que então contou "outra história". Não "o que aconteceu". A natureza fantasiosa do visual de várias sequências do barco também põe em cheque a veracidade do relato, mas o filme é homogêneo em toda sua projeção com este ar de "livro infantil". As supostas cenas imaginárias não destoam. E poderia um menino ter conseguido detalhes tão ricos de uma vida num barco com um tigre somente através de sua imaginação?

Mas, mais importante que aceitar uma ou outra história como real é entender o seu propósito. E isto não está contido no filme: vem das crenças e da experiência de vida de cada um.


Limitado ao meu próprio histórico e à noção de como outras pessoas que conheço pensam, acredito que o filme claramente abre espaço para quatro interpretações diferentes. Certamente existem outras, mas, de uma forma bem sucinta, são estas que consegui vislumbrar:

a) A segunda história é a real. Porém, a primeira tem um motivo nobre de existir. É comum e válido uma pessoa fantasiar sobre uma experiência traumatizante, para esquecê-la ou superá-la. Algumas pessoas buscam conforto e respostas na psicologia, nos laços familiares, nos amigos, na ciência enquanto outras na fé e em religião. O importante é se redimir, não propagar o mal e levar uma vida honesta, justa. Que bem faz divulgar e remoer os horrores de determinados acontecimentos?

b) A segunda história é a real. A primeira existe para mostrar que a religião não representa fielmente a realidade e propositalmente distorce os acontecimentos para tentar comprovar e exaltar a existência do que prega. Como suas histórias são mais fáceis de digerir, a sociedade acaba se apegando facilmente.

c) A segunda história é a real. Mas, a primeira história é a que precisa ser contada. Nossos livros religiosos foram escritos por homens, falhos por natureza, e estão mais para parábolas recheadas de simbolismos do que relatos históricos fiéis. Certamente muita coisa se transformou ao longo do tempo, através de traduções e outras intervenções do próprio homem. Mas isto não é motivo de desmerecimento. Este é o plano divino. As histórias precisam ser contadas daquela forma para despertar os sentimentos corretos e desencadear os acontecimentos certos. As mudanças nas histórias vêm por intercessão divina. "-Qual história você prefere? -A primeira, do tigre. -Deus também."

d) A primeira história é a real. Pode-se argumentar que parte do que foi visto pelo menino poderia ser alucinação, por insolação, fome, solidão, o que for. Mas, isto nem é necessário. Para Deus nada é impossível. O que aconteceu com Pi nada mais é do que um relato, dentre os inúmeros registrados e não registrados, das manifestações de Deus. O filme enaltece a fé e mostra quão difícil é para muitas pessoas simplesmente acreditarem nela só através de depoimentos.

Minha interpretação pessoal é uma dessas quatro e estou satisfeito.
Com o filme e com minha percepção da vida.

"-Então a história tem um final feliz?
 -Depende de você. A história agora é sua."

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